Tuesday, May 02, 2006

Lounge Lastic

Centrado naquele café na mesa mais central de todas, concentrava riscos de fúria àquele anjo que o atormentava, desenhava como se possuísse nas suas mãos o corpo que desejava e o olhar dela juro que era em todo semelhante aquele ali desenhado…
Enquanto à volta dele se adensavam cortinas de um cinzento pálido, todos aqueles que no café o observavam, entusiastas ou curiosos, pela a arte ou pelo artista, obrigavam-se a não perde-lo.
Rendez-vous rangeu entre os dentes, sentia a solenidade daquela gente, que queimavam os minutos daquela tarde em beijos lânguidos, tiques nervosos de café e bafos nicotínicos uns de sexo outros de profundo aborrecimento, enquanto desenhava, seu ego sorvedouro regurgitou-se perverso, incitando a curiosidade, chave primeira da posse e adoração.
Por entre o labirinto de mesas uma mulher de salto alto ousou desafiar o grotesco burburinho daquele amarelento covil, lento mas atento ao ritmo de seus quadris.
Vale a pena desviarmos a atenção de quem nunca a mereceu, ela sentou-se num canto e suas pernas suaves e longas eram desejo espraiado ao infinito, generosa oferenda a todo aquele capaz de como gato se espreguiçar.
As sombras perdidas de ainda mais perdidos seres, desejaram possui-la, predadores reconheciam a frescura e fragilidade dos cheiros e aromas.
O paladar da multidão tecia com mestria, suas pernas que forçosamente abriam, ávidos de seu próprio egoísmo, certos de engolirem a luz que aquela mulher trazia, já pouco se importavam com o incomodativo riscar do desenhador, que obcecado prosseguia indiferente.
Sombras como mãos, fizeram-na estremecer, mas nada ali era mais elegante e segura afinal e com audácia as cortinas cercas do artista se esfumaram com seu olhar, facto que fez o ruído da grafite suar a guitarra portuguesa. Estupefactas as aranhas contorciam-se atemorizadas ao entenderem que o desenho agora perfeito em pormenores revelava a mulher por todos desejada, segura avançou e ambos sorriram como se de velhos conhecidos se tratassem e muito tivessem a dizer um ao outro.
A multidão tem como hábil engenho voltar a ser mera multidão, assumir-se ou diluir-se a si própria, todos se observam uns aos outros, regateando em mercado silencioso, mais ou menos olhares, celebrando reconhecimentos de que são próprias vítimas.
Com mesma elegância ela partiu, vitoriosa, sabendo agora as razões dele a ter sonhado, dele a desejar conhecer a cada traço.

O desenhador novamente só, olha pela grande janela, por donde se vê, Eltanor, a cidade que ilumina a escuridão, com seus cuspidores de fogo e cartomantes, ao anoitecer pessoas saem à rua, gargalhando conspirações, respirando o frio que bafeja cada esquina.
Traficantes de droga, silenciosos louvam a deus, defrontando o senhor marquês que em pomposa corte e deleite petulância, acha graça a tudo, ambos são precisos vernáculos desta cidade. Doce e inebriante, provocadora e mortal.
Eltanor tem ruas, cheias de lojas mirabolantes, de magias e faz de contas, de feitiços capazes de satisfazer corpos sempre sós, suas ruas são em ziguezague, pontuadas por touradas e igrejas.
Indiferente à feira de vaidades, a mulher que sonhara seguia em diante sem se distrair com os vermelhos diabos, ao longe parecia um farol e depois mais longe ainda uma estrela. Anoitecera em Eltanor.

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