Sunday, August 06, 2006

O regresso do Alerquim

Os Arlequins, como sociedade secreta, quase terminaram pelo seu culto narcísico, à perfeição tornada obsessão, a sedução de suas palavras, a vastidão de sua cultura e poesia em cada gesto, tornavam-nos exímios atiradores tanto no beijo como no estucar das mais afinadas laminas. Sua missão primeira sempre fora proteger os Líricos e Viajantes, acreditando serem estes os eleitos a uma sociedade à sua imagem… perfeita. Mas a sociedade prefere-se imperfeita e a capacidade de deleite nessa imperfeição, não estava ao alcance desta seita, que quase morreu… não fossem os Líricos e Viajantes, que generosos souberam questionar o mundo, sem extremismos. Os Arlequins são ainda hoje hábeis marionetas, fascinantes em cor e presença, envolventes com seus fios invisivelmente cortantes, porém cegos no requinte a que brindaram noites ao longo dos séculos, são hoje noctívagos militantes, insensíveis à boémia, frustrados de inacção, pois já não sabem o que defender, matar ou mesmo seduzir.
Sendo eu descendente de Líricos, certa noite, ela acordou-me a meio de meu descanso, tinha o cabelo negro ondulado e na cara de porcelana os mais rubros lábios sorriam-me docemente, como se já ali estivesse à muito tempo, na escuridão… facilmente entendi tratar-se de uma Arlequim, por vários sinais que somente se revelaram por sentidos.
A mensagem que trazia era clara, deveria persistir em minha busca… falou-me que tinha facilmente localizado Cristina, pois era de facto perturbante a excitação que aquela mulher provocava, exaltação instintiva tal a volúpia de seu corpo que reclamava outras vontades e cuidados… descobrira que ela também ansiava por nosso encontro e sonhava com a entrega a prazeres agora negados, por outros cegos na sua posse e pelo seu próprio medo…

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